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Treinar para não remediar
Entrevista com Madalena Junqueira e outros profissionais de PNL, publicada na Revista PSICHÊ, em setembro de 2006.
A PNL, vertente da Psicologia, trata o cérebro como um computador. Fama de auto-ajuda gera polêmica entre especialistas
Ao entrar em contato com a palavra Neurolinguística é provável que ocorra à mente de alguém a associação entre dois ramos do conhecimento, a neurologia e a lingüística, o que não seria totalmente errado. Porém, uma apuração mais aprofundada sobre o tema mostra que tal assunto carrega uma série de questões complexas que ultrapassam a associação cérebro-língua. Uma delas seria a diferença de objetivos entre uma linha de pesquisa relacionada a estudos nas áreas de Neurociência e Lingüística, e uma vertente da Psicologia, homônima, que tem conquistado adeptos pelo mundo inteiro: a Programação em Neurolinguística ou PNL.
Uma das vertentes dos estudos relacionados à Neurolinguística é, diga-se de passagem, a única que segundo os entrevistados nesta reportagem obtém reconhecimento perante conselhos profissionais no Brasil consiste no “estudo da linguagem humana através de diferentes aspectos e de como e quais áreas estão funcionando no cérebro para promover tudo isso”, como explica Lucia Iracema Zanotto de Mendonça, presidente da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia (SBNP) e médica responsável pelo Ambulatório de Neurolinguística da Divisão de Neurologia do Hospital das Clínicas e da Fonoaudiologia da USP.
Segundo Mendonça, a comunicação humana ultrapassa o que seria estritamente linguagem e, além dos aspectos estruturais da língua, envolveria processos como a gesticulação, a mímica, a postura, a entonação, a variação da voz, a melodia que pode dar ênfase ou dar uma pausa”. Também teria de ser considerado “como” essa comunicação é expressada no nosso dia-a-dia , quando está sujeita a variações determinadas por “aspectos sociais, culturais e de relação entre indivíduos”. Para explicar esse “como”, ela dá um exemplo palpável: “a forma de comer o mesmo fato para seu chefe e para amigos será diferente. Isso porque levamos em consideração, na hora da narração, aspectos sociais, culturais e de relação entre indivíduos”. A Neurolinguística seria, na verdade, o estudo dessa linguagem humana composta por todos esses aspectos e sua questão seria “como e quais áreas estão funcionando no cérebro para promover tudo isso”, completa Lucia.
Para Vânia Menegalli Moojen, mestra em Ciências Médicas pela UFRGS e professora da UNESC, a Neurolinguística é uma teoria que engloba comunicação e fisiologia. “Ela foi criada por meio de várias bases teóricas como a sistêmica e a comportamental”, diz. Segundo os entrevistados, essa correlação entre cérebro e linguagem há algum tempo já desperta interesse na sociedade humana e, além disso, é aproveitada em áreas terapêuticas como nas alterações de comportamento, fala, aprendizado, entre outras.
Lesões cerebrais
Nos estudos sobre Neurolinguística realizada nos séculos XIX e XX as lesões cerebrais e seus problemas subseqüentes ganharam destaque. Aniela Improta França, professora adjunta do departamento de Lingüística, pesquisadora do Laboratório CLIPSEN e membro do Programa Avançado de Neurociência (PAN) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) afirma que a Neurolinguística surgiu inicialmente da afasiologia, ou seja, dos estudos da linguagem afetada por acometimentos patológicos. Ela ressalta que os pesquisadores, neste período inicial, estudavam “o cérebro que não produzia linguagem intacta e a parti desta falta de linguagem eles inferiam onde se encontrariam os centros que produziriam a linguagem nos homens sãos”.
A grande razão para que isso acontecesse era o impedimento da realização de pesquisas diretamente em indivíduos saudáveis. Segundo Aniela, o veto a esses procedimentos era devido aos métodos de acesso ao cérebro “serem baseados na injeção de marcadores radioativos na circulação sangüínea que poderiam trazer sérios efeitos colaterais”. Entretanto, a partir do século 20 novas tecnologias trouxeram uma nova realidade para a Neurolinguística, o que de acordo com Lucia Mendonça, “permitiu o estudo da função intacta, e não só após uma perda ser imposta”.
Antonio Fernando Catelli Infantosi, professor titular do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Biomédica da COPPE/ UFRJ, afirma que equipamentos tecnológicos permitem, por exemplo, “observar a aquisição da atividade elétrica cortical, ou magnética, ou a imagem do metabolismo dos neurônios que por sua vez é capaz de perceber regiões de maior e menor atividade”. Entretanto os avanços tecnológicos sozinhos não adiantam. Como em todas as pesquisas, o material humano é de fundamental importância. Fernando Catelli lembra que “não basta observar apenas a atividade de um grupo de células; é preciso distinguir se a atividade difere de outras atividades. Essas atividades são de pequena percepção, é preciso extraí-las e tentar interpretar”.
A outra neurolinguística
Homóloga da Neurolinguística e muito mais conhecida, apesar da resistência oficial, a Programação Neurolinguística (PNL) tem suas justificativas para a escolha do nome em comum. Madalena Junqueira, Trainer e Master Practitioner em Programação Neurolinguística e terapeuta do Instituto VIALUX, explica: “Percebeu-se que existia uma certa semelhança no funcionamento do cérebro e do computador, na maneira de processar a informação, isto é, através de comandos de palavras, pois os nossos neurônios são acionados a partir da linguagem”. Desta forma, segundo ela, o cérebro humano possuiria uma série de arquivos que poderiam ser alterados, reprogramados, apagados e modificados, de acordo com a escolha da pessoa. Estas informações seriam processadas de forma pequena pelos indivíduos e através da utilização de técnicas e ferramentas adequadas poderiam ser trabalhadas. “Para a PNL é possível programar o cérebro para que ele vá na direção daquilo que queremos. Existe uma técnica para chegar a um objetivo e, neste caso, é preciso que a mente esteja focada e direcionada para esse objetivo”, diz.
Conselhos não reconhecem
Mas se a Programação em Neurolinguística tem sua eficácia defendida por alguns profissionais de Psicologia, por outro, a verdade é que a pratica ainda permanece sem o reconhecimento de conselhos de Psiquiatria e Psicologia existentes no Brasil, mesmo já tendo sido feitos pedidos para sua aceitação. Dolores Del Resende está neste grupo dos que tiveram a solicitação recusada. Para ela, a técnica ainda é vista com desconfiança por alguns profissionais por se tratar de “uma abordagem recente que, cria uma certa resistência aos adeptos a modelos consagrados no passado”.
Outro fator que dificulta, segundo Dolores, é a ideia de que a PNL poderia ser utilizada para decifrar comportamentos e para manipular pessoas. De acordo com a psicóloga, esses pensamentos são decorrentes de interpretações equivocadas sobre as más técnicas da PNL. Uma delas é chamada de “pistas de acesso, onde se observa o movimento ocular de um indivíduo na tentativa de investigar como ele está constituindo uma determinada ideia e quais sentimentos estão em evidência neste momento” Ela argumenta que “esse não seria o objetivo principal do trabalho: nosso objetivo é apenas entender de que forma essa representação é construída”.
Outro alvo de confusão é o rapport, técnica em que se ajuda o tom de voz com quem se fala, bem como a postura física, ritmo de fala e ritmo de respiração para estabelecer uma empatia. Para Del Resende, quem afirma que o rapport seria um mecanismo de dissimulação não estaria levando em consideração o livre-arbítrio: “Se alguém se envolve com algo, é porque tem na intenção o objetivo de se envolver com aquilo. Segundo ela, o objetivo da ferramenta seria o de “criar mais estratégias para se comunicar e passar a ter novas possibilidades e novas escolhas, já que não existiria um único jeito de comunicar”.
Profissionais que lidam com o ser humano podem otimizar desempenhos com essas estratégias mentais
Auto-ajuda e polêmica
Outro estereótipo, segundo seus seguidores, lançado sobre a PNL seria sua associação com a literatura de auto-ajuda. Madalena Junqueira atribui o fato a uma falta de informação sobre o gênero: “Os livros de PNL deveriam ser expostos e classificados na área de Psicologia, porém ainda há poucas pessoas atualmente que possuem o conhecimento da PNL e com a crescente divulgação da PNL em breve isso deve ser mudado”, diz. Débora Epelman também considera que a associação entre Neurolinguística e auto-ajuda é decorrente da falta de conhecimento. Para ela, a única semelhança entre ambas seria a ênfase no pensamento positivo, mas as diferenças seriam distintas: “A PNL possui ferramentas profundas e eficientes que mostram como podemos viver positivamente, não só de formas teóricas, como faz a chamada auto-ajuda”.
Para Dolores Del Resende ainda existiram outras diferenças entre Programação Neurolinguística e auto-ajuda. A principal delas seria o fato de que a “auto-ajuda diz o óbvio, trabalha com um conceito universal e não ensina passo a passo de como alcançar um objetivo, enquanto a PNL deixa um rastro, deixa de técnica para fazer isso”. Outra diferença citada pela terapeuta estaria no papel do indivíduo neste processo de modificação: “A PNL coloca na pessoa razão dessa mudança, enquanto a auto-ajuda coloca nos ensinamentos”.
Entretanto, Vânia Menegalli, pesquisadora da Neurolinguística, vincula a prática à literatura de auto-ajuda. Segundo ela, muitos especialistas de PNL tentam “modelar” determinadas situações. Ela exemplifica tal fato demonstrando que, por exemplo, “pega-se alguém que sabe escrever muito e modela-se sua estratégia, para então passar isso através de técnicas para demais pessoas” e ataca: “Este processo não é novo na sociedade, já que há anos criamos estratégias baseadas na ação de alguém e a copiamos como padrão”.
A PNL não diz o óbvio. Dá o passo o passo de como alcançar determinado objetivo
Para outros cientistas “oficiais”, um trabalho que a PNL desenvolve talvez seja algo similar à reabilitação cognitiva, processo que é usado frequentemente na fonoaudiologia, para o tratamento de pacientes lesionados. Lucia Iracema Zanotto de Mendonça considera que isso pode ser uma tentativa de aprimorar determinada função com exercícios especiais, mas não alivia: ressalta que para que este trabalho possa ocorrer de forma correta é preciso que “o profissional orientador tenha um correto conhecimento do funcionamento do cérebro, pois efetuado de forma errada pode causar danos importantes”.
O início da PNL
Os estudos intitulados Programação Neurolinguística são datados da década de 70 e surgiram quando Richard Bandler que vinha de uma experiência na área de matemática e computação passou a se dedicar a estudos de Psicologia na Universidade de Santa Cruz, na Califórnia. Neste período, Bandler teria gravado uma série de workshops dos terapeutas Fritz Pires (criador da Gestalt Terapia) e Virgínia Satir (terapeuta de família) e teria ficado tão impressionado com a habilidade de comunicação e os resultados obtidos por ambos que teria chamado John Grinder, seu professor de Lingüística, para ajudá-lo a desenvolver uma pesquisa sobre o tema. A ideia do trabalho seria estudar as estratégias utilizadas por Perls e Satir para obter êxito em suas abordagens, procurando dar destaque apenas a resultados, deixando de lado considerações sobre a linha da Psicologia adotada por cada um deles.
Tendo isso em mente, Bandler e Grinder passaram a observar minuciosamente o método dos dois terapeutas e, desta forma, chegaram a conclusão de que tanto Satir quanto Perls agiam de formas diferenciadas, mas adotavam dinâmicas parecidas na maneira de lidar com uma situação apresentada pelo paciente e na forma de estabelecer uma comunicação com ele, mesmo sem terem consciência disso. Diante disso, mestre e discípulo passaram a decodificar os padrões de linguagem das duas práticas e, com base em suas impressões, criaram o primeiro modelo do que viria a ser a PNL, uma experiência retratada no livro A Estrutura da magia. Nesse relato, os dois precursores procuram criar um modelo teórico a partir das duas metodologias, partindo do pressuposto de que produtividade de Perls e Satir poderia ser alcançada por outras pessoas tendo em vista o padrão de estrutura cerebral existente nos seres humanos, que viabilizaria que resultados semelhantes fossem alcançados desde que as instruções fossem aplicadas da forma correta.
O conceito da dupla ainda sofreu as influências da metodologia de Milton Erickson médico, psicólogo e um dos maiores expoentes na área de hipnose de quem também moderaram os padrões de linguagem e abordagem utilizados. A partir de toda esta bagagem teórica, Bandler e Grinder começaram a aplicar todos os modelos aprendidos em um grupo de estudo e, mesmo sem serem terapeutas, ambos começaram a identificar os modelos resultados daqueles que eles modelaram. A metodologia foi batizada de Programação Neurolinguística.
A comunicação humana ultrapassaria o que seria estritamente linguagem, abordando gestos, posturas e entonação de voz
Mito do hemisfério esquerdo e neurónios
A ciência não é um processo instantâneo, ela é construída de fatos encadeados, de processos evolutivos. Portanto, ele estrutura a sua história através de descobertas que vão ou se aprimorando ou sendo substituídas e, então, abrindo espaço para novas relevâncias. Neste processo, muitos fatos acabam virando mitos que a ciência vai aos poucos tentando desconstruí-los. Segundo Aniela França, o próprio Paul Broca (1824-1880) afirma que a área responsável pela linguagem residia no hemisfério esquerdo do cérebro, e essa ideia acabou sendo perpetuada pela sociedade através da frase: “Falamos com o hemisfério esquerdo”. Segundo Aniela, “Hoje já se sabe que há muitas áreas no hemisfério direito do cérebro que estão envolvidas com a cognição de linguagem, já que a linguagem é efetuada em inúmeras microcognições residentes em diferentes módulos cerebrais nos dois hemisférios”.
Já Lucia Iracema Zanotto de Mendonça afirma que a diferença entre a comunicação de homens e mulheres é também um mito. “E certo que o homem tem a linguagem localizada de maneira mais definida no hemisfério esquerdo, e a mulher utiliza para esta mesma função áreas mais amplas do cérebro, inclusive do hemisfério direito. Dessa forma pode-se argumentar que as mulheres apresentam maior habilidade para a comunicação verbal”.
Karin Zaro Ortiz, docente do Departamento de Fonoaudiologia da Unifesp e pós-doutora em Neurociência, fala de um terceiro mito: o de que não existe neuroplasticidade. Na verdade ela lembra que antigamente se acreditava que “os neurônios não se regeneravam, e então, por conta disso não se deveria fazer tratamento em pacientes com lesões cerebrais”. No entanto, a ciência superior essa ideia e revelou que “plasticidade existe durante a vida inteira”. Sabe-se inclusive que “muitas áreas adjacentes podem ter retorno da sinapse”. Dessa forma, ao atender um paciente que passou por terapia de reabilitação e outro que não, ela observa diferenças significativas.
setembro de 2006